Conto: Não Durma!
Autor(a:): Desconhecido.
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Não Durma!
Samira sempre teve pesadelos. Sempre. Moradora
de Israel, ela achava que as guerras frequentes em seu país fossem a razão
deles. Porém, aos 14 anos, ela se mudou para Londres. E foi então que os
pesadelos começaram a ficar piores. Toda noite, assim que fechava os olhos, uma
criatura lhe aparecia em sua cabeça. Era de forma humana, mas completamente
careca, não tinha olhos e sua boca estava costurada
em um pavoroso sorriso. Era o seu guia; um dos muitos daquele lugar. E por
incrível que pareça, era quem lhe fazia se sentir segura quando caminhava pela
terra assustadora dos pesadelos.
A terra era cheia de gritos, horrores e ranger de
dentes. Demônios sorriam enquanto espancavam pessoas. Havia cidades, como as
nossas, destruídas, onde havia gente ferida correndo e implorando por suas
vidas. E pior de tudo, havia o palhaço que dançava e parecia ser o único a se
divertir de verdade naquela terra. Era um
palhaço incomum, é verdade. Tinha pernas de bode e a cara pintada como os
palhaços.
- Eles vêm pra cá, por que merecem estar aqui –
dizia ele à Samira – Mas você não merece estar aqui. Não quer vir pra cá, então
não durma!
Samira sempre acordava em prantos. Frequentou os
melhores psicólogos, participou das melhores terapias, mas nada a impedia de
ver seu guia e o palhaço quando dormia. Aquilo a apavorava e causou seus
problemas de relacionamento. Era uma pessoa tristonha, que quase não se
comunicava e estava sempre na companhia de remédios que a mantivesse acordada. Não
valiam muito. Certa noite dormiu e voltou a
seguir seu guia.
- Por que sempre está rindo, se não é feliz? –
perguntou ela.
O guia virou sua cara sem olhos para ela, mas nada
falou. Era impossível para ele falar. Voltaram a andar no meio do caos, mas,
poucos minutos depois, o guia desapareceu.
- Cadê você?
Novamente, não houve resposta. Ela começou a andar,
chorando, pois tinha medo. Muito medo. Queria acordar, dizia a si mesma que era
apenas um sonho, mas não conseguia acordar.
Ouviu passos. Toc, toc, toc, no asfalto da rua por
onde andava. Cascos. Logo o palhaço com pernas de bode apareceu. E ria.
- Boa notícia – disse ele – Você merece vir pra cá.
Vou te levar pra um passeio comigo pela minha terra
Mas Samira correu. Seus cabelos negros e lisos
voavam na noite enquanto o toc toc dos cascos a seguia. E ele assobiava, e ria,
e chamava seu nome. Até que, cansada, ela caiu. O palhaço então se aproximou,
gargalhando.
- Deixe-me ver esses braços.
Com suas unhas, ele cortou os dois pulsos da
menina.
- Pra você vir mais rápido, amorzinho. Você tem uma
missão, merece vir pra cá.
Ao ver aquele sangue escorrendo, ela gritou. E
fazendo isso, acordou. Respirou aliviada.
Mas então viu o lençol cheio de sangue. Seus pulsos
estavam cortados. Desesperada, chamou os
pais. Samira foi levada a um hospital, onde deram pontos em seus pulsos. Os
ferimentos foram interpretados como tentativa de suicídio. A assistência social
e a polícia interrogaram seus pais, vasculharam a casa, pois ninguém acreditava
que um palhaço com pernas de bode a ferira em um pesadelo.
Samira estava decidida a não mais dormir. Não
queria mais voltar àquela terra onde as pessoas sofriam, onde via vultos,
espíritos que riam e demônios que se divertiam. Tudo eram sorrisos naquele
mundo. E os sorrisos só vinham de quem praticava o mal, pois era divertido
causar dor. Por isso ela nunca mais riu.
Samira estava mudada. Cansada, mais magra, adepta
de remédios com apenas dezoito anos. Não tinha fôlego pra universidade, apesar
de muito inteligente. Certo dia viu o
palhaço em sua cozinha. Estava sonhando acordada.
- Vou esfaquear seus pais – ele disse, passeando em
volta do fogão – e vai ser divertido. Você tem problemas, vão colocar a culpa
em você. Vai ser divertido, não vai?
Samira chorou. Subiu para o banheiro, abriu o
armário de remédios e engoliu três potes de pílula. Fechou os olhos na banheira
e nunca mais acordou. Seus pais pensaram que
a filha depressiva finalmente fora bem sucedida em sua tentativa de suicídio e
se culparam. Mas concordaram que ela finalmente estava em paz. Ledo engano.
Estou no mundo dos pesadelos agora, com medo.
Trancado em um quarto, com alguma criatura estranha arranhando a porta na
tentativa de entrar. Tenho medo. O palhaço diz que mereço estar aqui, pois vim
para escrever o que vejo da minha janela. E
da minha janela vejo espíritos que brincam. Vejo mortos que andam; alguns até
conhecidos meus. E vejo Samira. Ela veio me contar sua história há alguns dias
agora que vaga pela terra dos pesadelos. Era bonita da primeira vez que a vi,
mas depois me apareceu careca e nua pedindo que eu a ajudasse. Não podia fazer
nada; expliquei que eu aparecia ali apenas quando dormia e não conseguia sair
do quarto. Alguns dias depois eu a vi sem
seus olhos.
- Eu quero ver – ela gritava em pânico – preciso da
luz, da luz...
Logo depois ela me apareceu novamente com a boca
costurada num insano sorriso eterno. Nunca mais falou. Mas isso faz muito tempo. Hoje ela anda por aí, de qualquer jeito, acompanhando
crianças que por alguma razão vão parar nessa terra e confiam nela como um
guia. As crianças não sabem, mas confiam nela por que ela já esteve em seus
lugares um dia. Mas duvido que hoje Samira se lembre de quem foi. Pra mim ela
já esqueceu e se acostumou a ser mais uma criatura dessa terra terrível.
Eu quero ir embora. Não mereço estar aqui descrevendo toda essa dor. Só posso dar um conselho... Não durma!
Toc... Toc... Toc... Por que ele sempre tem que
aparecer quando fecho os olhos?
--Roberta H.