Música

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Reflexos da meia-noie

Conto: Reflexos da meia-noite.
Autor(a:): Gui Rhabelo.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

Reflexos Da Meia-Noite 

Na noite estrelada no céu de Salem ainda faltava uma estrela, seu nome era Fernanda. Uma estrela que estava presa em seu quarto, vendo seu reflexo no espelho. Não era um espelho qualquer, isso era fato. Uma peça maravilhosa, com bordas que imitavam ramos e flores em tom de ouro velho. O seu formato lembrava a um diamante. Às vezes, Fernanda acreditava que o próprio espelho era um diamante.

O fascínio que ele exercia sobre ela justificava seu pensamento. Quando ela alugou a casa no centro antigo de Salem, o espelho já estava lá. À sua espera, dizia ela sorrindo para as amigas. O celular tocava insistentemente mas Fernanda decidiu não sair naquela noite, queria ficar em casa. Pegou o seu antigo álbum de família e viajou nas lembranças. Sentia saudades de sua mãe que falecera dois anos após o seu nascimento. Estranha saudade, afinal, não se lembrava de momentos com aquela moça da foto que lhe trouxera ao mundo, mas aquele sorriso despertava todos os sentimentos em Fernanda. Até mesmo o ódio. Ódio pelos ditames do destino.

As horas passavam, um corvo bateu estabanado no vidro da janela, o que a assustou de imediato.
Levantou-se para dormir, cansada e com olhos marejados viu seu reflexo mais uma vez no espelho. Tocava as maçãs de seu rosto pensando se sua mãe a acharia bonita, se faria suas tranças aos fins de semana naquele longo cabelo preto. Se elogiaria sua saia azul-marinho com bolinhas brancas. Se criticaria a camiseta lilás que usava naquela noite. Um turbilhão de pensamentos tomou conta dela enquanto estava diante do espelho.

O corvo bateu o bico contra o vidro fosco da janela ao tentar comer alguma coisa que lhe instigara o apetite. Fernanda olhou de relance para ele, não deu atenção, não havia motivos para isso. Voltou a olhar para o espelho, algo nele havia mudado, sim. Havia algo mais. Algo que a fez gritar um grito mudo, calado, que apenas ela ouvia. Sua mãe estava ali. Sorria para ela o mesmo sorriso da foto. Fernanda não correu, queria, mas suas pernas eram duas peças de chumbo. Sua voz foi roubada.
O corvo bateu asas.

Imóvel, fechou os olhos por alguns momentos para desfazer aquela ilusão. Ao abri-los percebeu que sua mãe estava mais próxima. Sorrindo e chorando. O telefone chamou outra vez, mas não importava perder mais uma ligação. Como muito esforço conseguiu ir para a cama, tentou em vão dormir. Noite após noite Fernanda via sua mãe ali no espelho, no mesmo horário, entre meia noite e três da madrugada. Se acostumou com aquela presença, arriscava um boa noite vez ou outra. Achava que sua sanidade estava abalada. Mas no fundo sentia que aquela era sua mãe. Assustada, deu início a um diálogo. Foi a deixa para o medo ficar perdido sob a cama. Sua mãe passou a lhe contar como sempre esteve do lado dela. Citava momentos importantes da vida de Fernanda, esta, por sua vez, passava cada vez mais as noites sozinha e trancafiada em seu quarto.

Na quarta semana, notou que sua mãe estava definhando. Semblante abatido era sua marca. Ousou a perguntar o motivo daquele ar anêmico. Sua mãe, cansada, lhe respondera que precisava ir embora, seu tempo havia acabado. Agora iria descansar em paz em um plano incompreensível para a carne. Isso a deixava triste em parte, afinal não veria mais Fernanda. Sua menininha.

O corvo voltou a bicar o vidro entreaberto da janela. Mas as lágrimas nos olhos de Fernanda impediram que ela o visse. Do espelho ainda veio um conselho, Fernanda deveria doá-lo.

- Me sentirei melhor sabendo que você não passará horas em frente a ele esperando por mim. – Disse sua mãe.

Fernanda relutou, porém acabou aceitando o pedido. Escreveu um sms para Kátia, sua melhor amiga, dizendo que queria presenteá-la com o espelho. Sabia que sua amiga adorava-o. Sua mãe pediu um abraço. Fernanda, em lágrimas prontamente atendeu. Se aproximou do vidro do espelho de braços abertos. Os braços de sua mãe saíram do vidro. A apertou fortemente. Um abraço cálido. Maternal. Infernal. Uma dor assolou o peito de Fernanda. Seu coração acelerou. Parou. Não houve grito. Lágrimas. Apenas um abraço e uma alma roubada. A alma de Fernanda agora estava no espelho. Em mundo sem esquina. Longe de sua Salem, longe das amigas, trabalho, do celular e da vida. Agora estava próxima da Salem que apenas o corvo e a noite conheciam.






--Roberta H.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A Mansão Fisher

Conto: A Mansão Fisher
Autor(a:): Stefani Kaline
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

A Mansão Fisher

O céu já havia escurecido quando Alex estacionara sua velha picape azul em frente ao casarão. A Mansão Fisher era uma das construções mais antigas da cidade e uma das mais assustadoras na opinião de muitos. Ela ficava nos limites de Cherwood, bem longe das outras propriedades e bem perto de um pântano. Sua fachada havia sido quase toda escondida por um conjunto de árvores tortas que cresceram envolta dela como se para proteger a mansão dos olhares desconfiados de alguns habitantes daquela pacata cidade. Todos os seus moradores haviam morrido de maneiras das mais variadas, desde enforcamento até esmagado pela queda de um lustre gigante. Alguns acreditavam que havia algum tipo de maldição, ou melhor, um espírito maligno que se apossara do casarão e provocava o triste fim dos que ali habitavam.

— Quer mesmo passar a noite aqui?! — perguntou Alex a uma garota ruiva sentada no banco do passageiro a seu lado.

A jovem sorriu e pôs uma de suas mãos no rosto dela dizendo:

—Vai ser divertido! Eu, você, um saco de dormir e uma casa mal assombrada cheia de fantasmas e demônios que vão nos matar ou nos possuir.

—Isso não tem graça, Chloe! — bradou Alex.

Chloe afastou sua mão do rosto dela e cruzou seus braços abaixo dos seios fingindo estar chateada.

— Tudo bem, senhorita “Tenho Medo de Casas Velhas”’. Talvez eu deva chamar o Kevin White para vir comigo.

Alex fitou a companheira com uma mistura de raiva e decepção. Aquela garota de meia-calça preta, jaqueta de couro e gargantilha com pingente de pentagrama a fazia perder a cabeça, mas às vezes esse seu amor pelo obscuro a irritava, como agora querer que a primeira vez das duas fosse em um casarão abandonado.
As duas garotas continuaram paradas por mais alguns segundos uma olhando para outra sem tomar qualquer atitude até que Alex quebrou o silêncio:

— Vamos lá.

Ela agarrou uma mochila preta que estava no banco de trás com uma certa rispidez e saiu do carro, Chloe fez o mesmo, e com ela trouxe um pé-de-cabra o qual entregou a Alex logo que elas se aproximaram da porta da frente da mansão. Alex pegou a ferramenta das mãos da menina e forçou a porta a qual em pouco tempo se abriu com um rangido. O hall do casarão era um lugar amplo, cheio de antigos móveis cobertos por lençóis brancos empoeirados. Havia uma grande quantidade de dejetos de roedores próximos a uma escadaria em forma de caracol o que fez o estomago de Alex revirar. Chloe que ainda estava atrás dela, deu um leve empurrão para que a garota avançasse. Ela possuía um largo sorriso em seu rosto e parecia estar maravilhada com interior do casarão. Depois que seus olhos correram por todo o hall ela caminhou em direção a uma grandiosa forma no centro do saguão e com um único movimento arrancou o lençol que o cobria. Era um antigo piano de cauda. A garota se curvou sobre o instrumento e tocou algumas teclas as quais produziram um som desafinado que ecoou pelo lugar como a voz agourenta de um enfermo.

—Eu disse que esse lugar era legal! —exclamou Chloe quando o som do piano cessou  -- Sabe qual é a história macabra dessa casa?

—Não! E não sei se quero ouvi-la — respondeu a outra menina.

—Seu nome era Harold, doutor Harold Fisher — disse Chloe, apontando para um quadro pendurado em uma das paredes do hall. Ele retratava um homem de meia idade vestindo um velho jaleco de médico. Em uma de suas mãos se encontrava um grosso livro de anatomia humana e na outra seus óculos de grau com lentes arredondadas. Em meio ao seu arrumado cabelo preto havia uma mecha esbranquiçada que indicava a vinda da velhice, entretanto o que mais impressionava Alex eram seus olhos. Não eram azuis nem esverdeados, mas negros e sombrios -- Fisher havia construído essa casa para morar com sua mulher e filho recém-nascido e ele atendia seus pacientes aqui mesmo. Alguns diziam que ele era louco e quando um dos enfermos morria na mansão guardava seus restos mortais no porão. Sabe, era como um hobbie.

—Isso é loucura! - exclamou sua namorada sem ao menos tirar os olhos do quadro.

—É apenas o que eu escutei - respondeu Chloe dando de ombros.

—E como a família Fisher acabou?

—Bom, Harold descobriu que sua mulher tinha um caso com o homem que trabalhava como jardineiro na casa. Ele a cortou em pedaços e enterrou no jardim, já o filho, o matou envenenado. Ele acreditava que a criança não era sua. Depois de alguns dias ele se suicidou.

—Eu não sabia que você era tão boa para inventar histórias.

—Não acredita em mim? - indagou Chloe. — Acha que seria capaz de inventar essa história toda? Bom, está errada. Isso tudo aconteceu e pra falar a verdade, acho que estou até sentindo a presença dele.

A jovem ruiva esticou seus braços na frente de seu corpo e começou a andar pelo hall apalpando o ar como se quisesse encontrar algo invisível.

—Harold Fisher, você está aí?

—Não há ninguém nessa droga de lugar, Chloe! -- bradou a outra.

—Cala a boca, Alex. Estou tentando fazer contato. Harold, você está aí?!

A brincadeira de Chloe acabou irritando Alex a qual em um ataque de fúria destruiu um vaso de cerâmica azul que estava sobre um aparador usando o pé-de-cabra. Sua namorada se calou no mesmo instante e ficou imóvel observando ela destruir o resto do hall.

—Qual é, Harold, meu amigão? Onde você está? Apareça para que minha garota fique feliz, eu só quero passar uma noite com ela, droga! É pedir demais pra um fantasma?

—Alex, já chega! Nós podemos ir embora daqui! - disse Chloe ao se aproximar da garota.

Ela passou seus braços envolta de seu quadril e começou a puxá-la em direção a saída, contudo, a velha porta se fechou com um estrondo como se um forte vendo a tivesse empurrado. Mas não havia vento, nem mesmo janelas abertas no hall. As duas garotas espantadas permaneceram paradas onde estavam a cerca de dois metros da saída. Chloe apertou ainda mais seus braços em torno de Alex, afundou seu queixo no ombro dela e em um sussurro falou:

—Acho que ele nos ouviu!

Aquilo foi o suficiente para que toda a coragem de Alex sumisse. Estava prestes a dizer para fossem embora dali imediatamente quando o quadro de Harold Fisher pregado na parede começou a pegar fogo espontaneamente. Chloe gritou e se soltou de Alex. Um segundo depois uma força invisível a agarrou pelos cabelos e a arrastou pelo chão para o interior da casa.

—CHLOE!!! — gritou Alex. A garota correu atrás dela, porém não conseguiu alcançá-la antes que uma porta no chão feito de tábuas de madeira se abrisse e a Chloe fosse jogada dentro do porão da Mansão Fisher. Um tenebroso grito de dor ecoou por baixo do antigo piso do casarão.

Desesperada Alex se jogou sobre a porta e tentou puxá-la novamente para cima, no entanto, ela mal se mexeu. Pelas frestas de madeira do chão ela podia ver um homem alto vestindo um velho jaleco branco avançar sobre Chloe com um machado. Sem saber o que fazer Alex começou a golpear as tábuas com o pé-de-cabra. Lascas de madeira podre voaram por toda a parte e pequenas aberturas surgiram na porta do porão, mas nada suficientemente grande para que ela passasse. Quando suas esperanças de destruir a porta com a ferramenta se esgotaram, Alex pulou sobre as tábuas já partidas e o chão finalmente cedeu sobre seus pés. Ela rolou sobre as escadas do porão e quando finalmente alcançou o último degrau um pedaço de madeira perfurou sua perna direita. Ela caiu no chão com um bague e sentiu o líquido escorregadio e rubro embaixo de si. Por um momento pensou que era seu próprio sangue vazando de seu ferimento, mas quando levantou sua cabeça viu o corpo de Chloe jogado em um canto daquele porão escuro. Lágrimas cortaram o rosto de Alex e com o pouco de força que lhe sobrava rastejou até jovem morta. Havia várias cortes de machado em seu abdômen e sua jaqueta preta agora não passava de um conjunto desordenado de tiras de couro.

—Chloe… — murmurou ela enquanto agarrava uma de suas mãos sem ao menos perceber que o espectro do doutor Harold Fisher se encontrava atrás dela…






--R. H.