Música

domingo, 29 de dezembro de 2013

Conto - O Dourado Amanhecer

Conto: O Dourado Amanhecer
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

O Dourado Amanhecer

Hoje acordei me sentindo diferente. Acordei com vontade de ver além do óbvio. Com vontade de transcender meus desejos a realidade. Me sinto frágil, me sinto acusado, julgado, mas ainda assim me sinto tão bem. O ar que ronda o meu quarto passou a ser uma leve brisa que envolve meus desejos mais obscuros. Hoje eu acordei com vontade de me sentir realizado. E assim, o fiz.


Sou um homem inveterado, maltratado pelo tempo e pela vida. Pelas pessoas. Sou uma vítima, fui abusado, sou um drogado, e também sou um mimado. Sou pedófilo, e costumava ter relações com a minha mãe. Sou necrófilo, e também canibal. Você realmente acredita nisso? Caberão aqui mais justificas clichês para exemplificar a minha conduta nada ortodoxa? Acho que compreendeu do que se trata este jogo.


Vocês jamais entenderão o que é perder-se em devaneios, simplesmente do nada. É estranho, já tentei lutar contra isso, mas hoje aprecio me perder em pensamentos banhados a loucura e escritos pela minha insanidade. Basta apenas olhar fixamente para um ponto, ou ver um programa televiso, ou apenas, ouvir uma melodia inspiradora. Às vezes, basta acordar.
Vocês jamais entenderão a minha afeição pelo contraditório. Jamais. Jamais entenderão o quão estranho é salivar, rir incontrolavelmente, e sentir aquela sensação inexplicável de ardor interno, de excitação, de maravilha a pensar em fatiar um, ou dois.


Vocês nunca iriam entender como é dormir com uma faca, e acordar com uma moça. Aos pedaços. Tenros pedacinhos cheios de amor, mas ainda assim não me basta. Moças quaisquer, não conseguem suprir a minha sede. Eu quero ter você em mãos. Você em pedaços nojentos de carne adormecida. Quero ter o seu pescoço marcado pela corda, e por meus dedos.


Quero sentir sua ânsia, alimentar-me de seu refluxo. Quero o seu cabelo, preso em meu peito. Quero ser o primeiro a escalpar sua alma de vagabunda. Quero brincar com seus olhinhos puxados, quem sabe puxa-los ainda mais. Mais, mais, mais e mais! De repente, ainda mais.
Nada será tão prazeroso quanto cortar-lhe a carne, pendurar-lhe as pernas para alto, e ouvir seus suplícios inúteis e falsos. Minto. Talvez seja mais prazeroso cortar-lhe seus diminutos peitos flácidos, e depois te atacar com ferro quente, para marcar definitivamente a vadia que você é.


Talvez a sua traqueia sirva mais do que para engolir coisas. Ficaria linda pregada na parede de minha sala, logo ao lado dos tecidos pecaminosos de sua boca mentirosa. Nada será mais deleitoso do que sentir as pequenas agulhas quentes passando por seus poros exaladores de enxofre.


Quero comer parte da sua bochecha frita no óleo que produz. Sei que irei me enojar, e com sua boca já dilacerada aos lados, vomitarei ali mesmo. Depois, quero que me responda, o que foi mais agradável, vomitar mentiras, ou comê-las. Quero queimar sua pele com o mesmo formol que me mergulhou. Quero arrancar-lhe as entranhas, eu quero tanta coisa, quero fazer tanta coisa. Você não imagina o que cinco anos de traumas e um pouco de soda caustica podem fazer.


Hoje acordei diferente. Realizado, com um sorriso no rosto, e talvez pela primeira vez, completamente são, e completamente realizado. Abraçado as suas vísceras, ao meu instinto, e ao seu silêncio.



--Roberta H.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Conto - Anatomia

Conto: Anatomia
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

Anatomia

Dr. Frank era professor de universidade, homem da ciência e céptico a qualquer assunto relacionado à religião. “Se não esta provado pela ciência não existe”, dizia ele quando se via no meio de uma conversa sobre o tema. Certo dia, saindo do seu carro quando chegou à universidade para sua aula noturna escutou uma voz:

 “Dr. Frank?” – disse uma moça de uns 17 anos aproximando dele.


 “Pois não?” – perguntou curioso para saber quem era aquela moça, definitivamente nenhuma de suas alunas, ele conhecia a todos por nome.



 “Sou a filha da Marisa, sua colega de Yoga” – respondeu a moça com um belo sorriso. – “Desculpa te incomodar, mas eu estou a ponto de prestar vestibular, sonho em ser médica, mas não sei se tenho estomago, queria assistir uma de suas aulas de anatomia se possível.”

 “Humm, esta bem, apesar de que não deveria permitir, estou somente prestando um favor a sua mãe.” – respondeu Dr. Frank já andando em direção ao prédio.

Caminharam por uns 5 minutos até chegarem à sala onde Dr. Frank iria dar sua aula.

“Olha, não atrapalhe minha aula, não faça perguntas e não fale nada. Senta nessa cadeira e assiste. Quando formos analisar corpos você pode chegar perto. Não quero me meter em encrenca por trazer você aqui.” – disse ele com ar sério.

O tempo foi passando, chegaram os alunos e a aula começou. Dr. Frank olhava a moça uma vez ou outra que parecia muito interessada na aula. Algum tempo depois pediu a dois alunos que tirassem dois corpos do freezer para que ele os demonstrasse um procedimento.

 “Professor, tem dois corpos recém-chegados aqui. São indigentes, encontrados pela policia alguns dias atrás, foram mortos a tiros, esta aqui o relatório. Ainda não foram usados para estudo.” – Disse o rapaz estendendo uma prancheta com a informação dos cadáveres.

Olhando o relatório o professor balançou a cabeça dizendo que sim. Os dois alunos retiraram os corpos dos plásticos e os colocaram em cima de uma mesa. A moça se levantou e curiosa foi até os corpos.

 “Dr. Frank, cuida de mim, por favor.” – disse ela tremendo, com olhar estranho e se aproximando do professor, que imediatamente foi falar come ela.

Ela se virou e saiu correndo da sala e ele atrás dela, quando alcançou o corredor não a viu mais. Aproximou-se do vigia.

 “O senhor viu para onde foi a moça que saiu da minha sala?” – perguntou Dr. Frank.

 “Ninguém passou por aqui não senhor.” – respondeu o vigia intrigado.

 “O moça que entrou comigo mais cedo para aula de anatomia”. – explicou ele.

 “Me desculpa Dr. eu não vi ninguém entrar com o senhor”. – contestou o homem mais intrigado ainda.

Dr. Frank virou-se em direção à sala agarrando o celular do bolso. Selecionou o celular de Marisa, segundos depois alguém atendeu.

 “Oi Marisa, é o Frank da aula de Yoga. Escuta, sua filha esteve aqui e pediu para assistir uma das minhas aulas de anatomia. Acho que ela não aguentou ver os cadáveres e foi embora chorando.” – contou ele a mãe da moça.

 “Estranho, ela foi acampar com o namorado e deveria estar de volta somente amanhã”. – respondeu Marisa com ar preocupado.

 “Bom, pode ter sido outra Marisa então, eu conectei com você primeiro, mas deixa pra lá, eu tenho ir que meus alunos me esperam.” – disse e já desligando o telefone. “Acampamento... sei... esses adolescentes”.

Ele voltou à sala onde os alunos já haviam começado a estudar os corpos, se aproximou da mesa para tomar a liderança da aula novamente. Sua feição mudou completamente, o terror tomou conta de seu corpo.

 “Para” – gritou Frank tirando a mão do rapaz que estava dentro do abdômen do cadáver. “Ela não é indigente, eu a conheço.” – disse ele aterrorizado.

Ali deitada na mesa de estudo com o tronco do seu corpo aberto, estava a filha de Marisa. Dr. Frank tremia da cabeça aos pés. Não sabia o que pensar, estava confuso e com medo, pois aquilo era novidade para ele. Ele deu um passo em direção à porta, ali estava ela novamente. A brisa da noite tocou sua nuca e ele arrepiou.

 “Me devolve pra minha mãe.” – disse a ela com voz tremula.

Um segundo depois já não estava mais lá. Dr. Frank dispensou seus alunos, sentou-se onde supostamente estava a garota e ali ficou por horas pensando tudo, tudo o que ele não acreditava teria que reconsiderar.



--Roberta H.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Conto - O Rádio Maldito

Conto: O Rádio Maldito
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

O Rádio Maldito

Era manhã de uma segunda ensolarada. Maggie, uma descendente de japoneses, com corpo esguio e alto, de seus quarenta e poucos anos, estava em sua casa, dando café da manhã às pressas para seus dois filhos, Adam, de 12 anos, e Joyce, de 15, como fazia toda manhã. O horário no relógio da cozinha marcava 7:45 e os garotos, que estudavam em uma escola a cinco minutos de casa, levantaram rapidamente da mesa e partiram às pressas em direção à escola.

Maggie despediu-se de seus filhos e, assim que eles partiram, fechou a porta.

- É sempre assim... – disse, suspirando – Todo dia...

Recuperou-se do cansaço momentâneo e caminhou pela casa, em direção à cozinha. Arrumava a mesa, limpando as louças sujas deixadas por seus apressados filhos. Repentinamente, para sua surpresa, eis que surge um estranho chiado vindo do outro lado da casa. Achando estranho, fechou a pia da cozinha, secou suas mãos e caminhou em direção ao chiado, atravessando a pequena cozinha e chegando à porta da sala de estar.

Era uma pequena e aconchegante sala de estar. Havia dois sofás encostados na parede, com um pequeno e antigo rádio entre eles. Acima do sofá frontal à entrada da sala pela cozinha, havia uma janela, que dava ao quintal lateral. Do lado oposto, uma estante. Ao lado, uma porta. O estranho chiado vinha do pequeno e antigo rádio.

- Estranho... – disse, enquanto adentrava na sala em direção ao rádio – Não me lembro de ter ligado o rádio.

Maggie caminhou até o pequeno rádio e desligou-o. O aparelho tinha base retangular, com pequenos botões arredondados. Na ponta oposta do aparelho amadeirado, curvas delimitavam suas extremidades.

- Vai entender... - disse

Maggie desligou o rádio e partiu. Entretanto, para sobressalto de Maggie, quando esta deu o segundo passo para se distanciar do rádio, eis que surge no aparelho uma sinistra voz, dizendo:

- Olá, Maggie!

Tão logo ouviu seu nome ser proferido pelo rádio, Maggie travou. O susto transformou-se em um medo momentâneo, que rapidamente tomou conta de seu corpo. Maggie virou-se em direção à rádio, com as articulações de seu corpo completamente rijas.

- Desculpe-me pelo susto inicial. Não foi minha intenção!

Maggie sobressaltou-se novamente. Não sabia se estava mais surpresa por um rádio estar falando com ela, ou por um rádio desligado estar funcionando. O coração da pobre mulher batia incrivelmente rápido. Suor frio começa a escorrer do rosto de Maggie, que perguntou:

- Q... Quem é...é v...você?

- Eu?! – perguntou o rádio – Sou só alguém que quer conversar!

- Como sabe meu nome? Quem é você? – Maggie começou a ficar desesperada.

- Eu sei de tudo, Maggie, não adianta esconder!

- De... Tudo? – perguntou. Ficou surpresa. Por fora não parecia, mas o coração da pobre mulher apertou por dentro

- Sim, Maggie, de tudo! De tudo o que passa na sua vida, o dia inteiro...

Maggie fica desesperada. Procura em todos os lugares da casa por alguém ou por algo que pudesse permitir alguém de ver seus movimentos. Contudo, nada conseguiu achar.

- Está procurando por algo, Maggie? Estou aqui. Quem está falando contigo é o rádio! – disse – Não percebe?

Maggie corre até o rádio e o desliga na tomada. O silêncio reinou no local. Maggie aliviou-se, entretanto, só por alguns segundos. Uma gargalhada homérica veio do aparelho.

- É inútil, minha cara Maggie...

- Cale-se! – disse a mulher, com raiva do aparelho. Levantou a mão e projetou-a para destruí-lo.

- Eu não faria isso se você fosse... – disse o aparelho. Maggie parou seu movimento no ar - Acha mesmo que eu não vou te repreender se você ousar encostar um dedo em mim?

Maggie sentiu um estranho medo oriundo das palavras do rádio. Um calafrio percorreu sua espinha por completo. Abaixou sua mão.

- Isso mesmo... Boa garota!

Maggie estava com medo. Quem era aquele ser, que conversava com ela através do aparelho de rádio, ou que era o próprio aparelho de rádio, e que, mesmo com ele desligado, continuava a infernizá-la?

- O que quer? – perguntou a pobre mulher, irritada – O que quer, filho da mãe?

- Já te disse, só quero conversar! - disse o rádio – Faz tempo que fico aqui, solitário, sem companhia... Queria tanto alguém pra conversar!

- Eu não tenho nada pra conversar com um maluco como você! – disse Maggie, ainda irritada, partindo do local.

Quando Maggie colocava os pés no pequeno degrau que dava à cozinha, eis que o rádio diz:

- Ah, é? Que pena... Então acho que terei de matar seus dois queridos filhos... Adam e Joyce, não é? São tão novinhos, com um futuro pela frente... Não quero estragar seus futuros brilhantes.

Maggie parou, virando o foco do olhar para o rádio.

- Não ouse encostar um dedo nos meus filhos. Está me entendendo?

- Não creio que você está em condições de intimidações, Maggie. Faça o que eu te peço que eu deixarei seus filhos em paz...

- O que quer, maldito?

- Já te disse, Maggie. Apenas conversar contigo...

- E não pode conversar como uma pessoa normal, sem fazer ameaças? – Maggie estava confiante.

- Não creio que você gostaria de conversar comigo normalmente, se a pauta da conversa fosse assuntos como... O Myke.

Maggie sobressaltou-se. Seu coração começou a bater rapidamente e a apertar-se dentro do peito. Ficou emudecida.

- Vejo que quando a conversa é sobre o Myke sua confiança se esvai completamente de seu corpo, não é, Maggie?

- Maldito. Como você sabe...? – o ódio voltou a tomar conta de seu corpo

- Já te disse, Maggie. Eu sei de tudo!

Maggie emudeceu-se.

- Eu tive tanta dó do Gordon quando ele morreu... Em 1998, não é verdade? Como o tempo voa...

- Maldito. – gritou Maggie. O desespero tomou conta de seu corpo

- Acalme-se, Maggie. Não fique nervosa! – disse o rádio – É uma conversa pacífica, não tem necessidade de ficar irritada.

- Como não ficar irritada com um crápula que invade minha vida e quer me infernizar?

- Não é minha intenção infernizá-la. Já te disse, apenas quero conversar contigo. Eu pessoalmente acho muito feio o que você e o Myke fazem. Não acho certo!

- O que eu e ele fazemos de nossas vidas não interessa a mais ninguém! – esbravejou

- Será mesmo? – perguntou. A confiança nas palavras que o rádio dizia dava em Maggie um medo angustiante – Mesmo que seja caso de polícia, como foi? Ou você acha que não é caso de polícia matar seu marido junto do Myke para ficar com ele, seu querido amante?

Enquanto o rádio falava, Maggie gritava constantemente para ele se calar. Era como se o aparelho estivesse expondo a verdade para milhares de pessoas e Maggie queria impedi-lo de contar, gritando mais alto que ele. Entretanto, só havia ela de ouvinte. No final, Maggie estava no chão, chorando, sem forças.

- Por que choras, Maggie? – perguntou o aparelho – Foi você mesmo quem fez este cruel ato!

- Por que está fazendo isso comigo? E como sabe meus segredos?

- Preciso realmente respondê-la? Já estou cansado de responder essas perguntas... Anda, levanta-se daí!

Maggie continua no chão. Estava sem forças para se levantar.

- Anda, levanta-se! – gritou o rádio, impaciente

Com medo do aparelho, Maggie levantou-se.

- Isso mesmo. Boa garota!

- Aonde quer chegar nesta conversa, maldito?

- Em lugar nenhum! – respondeu – Só quero prosear um pouco, como dizia os fazendeiros de antigamente, ou seu marido mesmo... Gordon era um grande homem. Conhecia-o bem. Parado aqui, o dia inteiro, você vai conhecendo todo mundo que entra e sai dessa casa... Até hoje não entendo como você deixou um homem que pagava suas contas e lhe dava do bom e do melhor e trocou-o pelo Myke... Gordon não merecia isso, Maggie. Ser traído pela própria esposa!

- ISSO NÃO É DA SUA CONTA! – disse Maggie, irritada

- Myke foi preso pelo assassinato do Gordon, se eu não me engano. Oito anos de prisão. Agora está livre, não é verdade? Depois de tantos anos, ele está livre. E vem aqui todo dia, não é verdade? Não acha estranho trazer um amante pra casa sem seus filhos saberem?

- Cale-se, maldito! – Maggie estava impaciente com a situação. Não queria ser destruída pelas palavras sinistras do rádio.

Partiu do local. Ao lado da porta de saída da casa, se encontrava um telefone fixo. Colocou a mão no gancho e retirou-o. Iria discar para a polícia.

- Acha realmente que eu não tenho coragem de matar seus filhos, Maggie? – perguntou o rádio. Continuava confiante, o que amedrontava a pobre mulher – Sei que tanto Adam quanto Joyce estudam na Escola Hitsugi, não é verdade? Posso matá-los facilmente... Se não quiser vê-los mortos, coloque este telefone no gancho e venha até aqui.

O medo tomou conta de Maggie. O rádio sabia inclusive a escola onde Adam e Joyce estudavam. Poderia estar blefando, mas Maggie não queria fazer uma aposta com um risco tão alto. Colocou o gancho do telefone no lugar e caminhou de volta à sala. A tristeza aparecia em seu semblante. Estava para chorar, mas não queria demonstrar o seu abate para o rádio.

- Agora são 8:15, segundo aquele relógio, não é verdade? – perguntou o rádio. Maggie virou para trás. Havia um pequeno relógio de ponteiros na estante. Ele marcava exatos 8:15. Aquilo assustava a pobre mulher – Está na hora do Myke chegar, não é verdade? – perguntou.

- Por que não gosta do Myke? Gordon morreu há treze anos. Decerto é o meu direito de viver como eu bem quiser...

- Não é certo namorar o algoz do seu marido, não acha? – disse o rádio – Não é moralmente aceito!

- Cale-se! – gritou Maggie, no auge de sua ira.

- Acalme-te. Estamos tentando uma conversa pacífica... Não vejo porquê não continuarmos assim!

Repentinamente, para surpresa de Maggie, eis que a campainha de sua casa toca.

- Opa... Deve ser o Myke! – disse o rádio – Despache-o! – Maggie surpreendeu-se

- Como? – perguntou

- Despache-o. Para sempre!

- Eu não vou fazer isso. – disse Maggie, irredutível – Estou cansada de suas gracinhas!

- Você já se esqueceu de que, se não obedecer, seus filhos morrerão? – perguntou o rádio, irritado

A campainha toca novamente. A pessoa do lado de fora da casa bate na porta e chama por Maggie.

- Meus filhos estão na escola. Lá, você não terá como matá-los!

- E quem disse que seus filhos estão na escola? – perguntou o rádio. Maggie se assusta – Você os viu partir para a escola, mas não os viu lá chegar... – repentinamente, o silêncio tomou conta do rádio, que se encontrava chiando

- Maldito! – gritou Maggie, indo de encontro ao rádio – O que fez com meus filhos? – balançou o aparelho. Continuava chiando. Começou a socá-lo.

- Mamãe, mamãe... – veio a voz de uma garota adolescente pelo aparelho. Parecia chorar, tamanho o medo e o desesperado

- Filha... – gritou Maggie. Segurou o rádio – Filha, filha, filha... – chamava continuadamente. Lágrimas escorriam de seu rosto.

A campainha toca pela terceira vez. Quem estava do lado de fora da casa batia novamente na porta e chamava por Maggie.

- Se não quiser vê-los mortos, é bom me obedecer! – disse o rádio

Aos prantos, Maggie caminha em direção ao Myke, a tempo de escutar a campainha tocar pela quarta vez. Escorada na parede, aos prantos, Maggie diz:

- Vá embora, Myke!

- O que aconteceu, Maggie? – perguntou Myke, do lado de fora da casa

- Vá embora! – Maggie começa a se debulhar em lágrimas

- Você está chorando? – pausa por um ou dois segundos – O que está acontecendo?

- Vá embora, Myke. Apenas vá embora... E não volte mais! – as palavras proferidas por Maggie doíam em seu âmago

- O que aconteceu, Maggie? – insistia Myke

- Por favor, Myke. Deixe-me em paz. Vá, e não volte mais!

Myke pensou em insistir novamente, mas percebeu que Maggie estava irredutível. Sabia que algo estava acontecendo com ela, e sabia que aquele não era o momento mais oportuno para lhe perguntar o quê. Quando Myke partiu, Maggie deslizou até o chão, debulhando-se em lágrimas.

- Isso mesmo, Maggie. Foi brilhante sua performance. Parecia realmente que você ainda queria algo com aquele homem!

- Cale-se. Cale-se! – Maggie se levantou, enfurecida

O rádio continuava:

- Esse tal Myke é muito insistente, né? Você gritando continuadamente "Vá embora. Vá embora" – o rádio muda o timbre de voz, ficando momentaneamente em um tom sarcástico, ao imitar a voz de uma mulher – e ele insistia em querer entrar. Custou a ir embora, hein? Será que ele não se deu conta de que você não quer nada com ele?

- Cale-se... – disse, com um tom de voz baixo. Caminhava em direção ao rádio

- Como? – o rádio não lhe escutou

- Cale-se, cale-se, cale-se, cale-se, CALE-SE... – repetia continuadamente, aumentando, a cada vez, a voz. Na última vez, tamanho o ódio, lançou um vaso de flores na parede

- Acalme-se, acalme-se, acalme-se, acalme-se – repetiu o rádio, em tom de deboche – Está muito bravinha, Maggie...

- E como você queria que eu estivesse? – perguntou Maggie, aos berros – Feliz?

- Acalme-se. Eu fiz o que era melhor para você. Imagina o que os vizinhos não iriam dizer de você, se você não parasse de se encontrar com o algoz de seu ex-marido...

Naquele instante, a frase proferida pelo rádio, na parte "Imagina o que os vizinhos não iriam dizer de você..." ecoou na mente de Maggie, repetindo-se em proporções incomensuráveis. Em seguida, eis que surge em sua memória um flashback, de quando passava em frente à janela da sala, já depois de tudo ter começado. Lembrou-se de ter visto uma silhueta humana na sacada da casa vizinha, virado para sua residência. Entretanto, com todo o furor causado pelo rádio falante, nem havia prestado atenção no que vira.

Caminhou até a janela. Naquele instante, percebeu ver seu vizinho, um homem de seus cinquenta e poucos anos, parado na sacada de sua casa, fitando fixamente sua residência. O homem portava um binóculos e uma gigantesca parafernália de apare-lhos, ligado a um pequeno microfone ao lado de sua boca.

Ao perceber que fora descoberto, o homem largou o aparelho e partiu, às pressas. Maggie partiu em seguida, entretanto, a porta estava trancada. Demorou preciosos segundos para abri-la. Saiu de sua casa e chegou à rua. Naquele instante, o carro de seu vizinho deu partida e dali saiu, às pressas.

Maggie correu até sua garagem, entrou em seu carro e partiu, atrás do carro de vizinho. Estava cerca de cem a duzentos metros de distância do carro do vizinho, mas acelerava continuadamente o seu automóvel. A distância diminuía consideravelmente a cada segundo passado.

Tanto o vizinho quanto Maggie dirigiam às pressas em ruas pouco movimentadas, entretanto, igualmente finas. Com carros estacionados, tornava-se mais difícil de dirigir. Maggie estava extremamente irritada com os acontecimentos daquela manhã e estava inconsequente para com seus atos. Ao perceber que seu vizinho viraria a esquina à esquerda e, por conta da velocidade, perdeu momentaneamente o controle da direção, Maggie acelerou seu carro e jogou-se sobre o de seu vizinho. O choque foi violento, destruindo por completo a frente do carro de Maggie e a lateral esquerda do outro carro.

Rapidamente, curiosos cercavam a cena do acidente, e chamaram a polícia e os bombeiros. Maggie foi salva com vida de entre as ferragens, só com arranhões pelo corpo e machucados violentos nas pernas. O seu vizinho estava morto, com ferragens atravessando seu peito. No carro, só ele se encontrava.

No hospital, Maggie foi interrogada pelos policiais. Explicou o que aconteceu, fato que foi confirmado quando os policiais encontraram Joyce e Adam presos na casa do vizinho de Maggie, e, poucos dias após o acidente, Maggie voltou para casa. Para prevenir possíveis vizinhos curiosos, Maggie levantou o muro que rodeava sua casa. Assim, sentiu-se segura para evitar novos problemas.

                                                                    ***                            

Estava em sua casa, em um dia normal, cerca de seis meses após o ocorrido. Era uma manhã ensolarada de segunda, e Joyce e Adam partiam com pressa para a escola, a fim de não se atrasarem. Depois de lavar a louça, Maggie varreu a casa. Estava limpando a sala de TV, quando, repentinamente, eis que escuta um chiado vindo do rádio, do mesmo rádio que outrora tanto lhe infernara.

O coração de Maggie gelou-se, apertando-se no peito. A pobre mulher parou de varrer a casa, olhando aflita em direção ao rádio. E eis que uma voz sinistra surge no rádio, dizendo, cantando:

- Eu vejo você... Você me vê?




--Roberta H.