Música

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Espelhos

Não posso mais guardar isso comigo. Já tentei falar para outras pessoas, mas elas acham que estou ficando louca. Tempos atrás, durante uma noite chuvosa, estava em casa, a luz de velas, a energia havia sido cortada devido a forte tempestade e a luz que clareava parte do meu quarto vinha dos trovões que lá fora cruzavam o céu. Sempre morei sozinha, nunca tive problema com isso... Até aquela noite.

Não sei o porquê, ou quem são, ou o que são, mas eles apareceram em meio aos barulhos dos relâmpagos. Minha casa era coberta de espelhos, sempre gostei deles, talvez seja um pouco narcisista, mas gostava de ficar sempre frente ao espelho, observando minha própria imagem. E a minha imagem sempre me agradava, exceto naquela noite.

Era umas duas horas da manhã quando acordei com sede. Levantei e fui rumo à cozinha, atravessando o corredor. Passei pelo espelho e tive a impressão de não ter visto minha imagem. Voltei. Ela estava lá. Percebi que tinha uma marca vermelha no meu rosto e me aproximei do espelho para ver com maior facilidade. E vi! Mas não eu, quanto mais próximo do espelho, mais a minha imagem mudava e uma criatura deformada tomava o lugar. Era algo surreal. Corri para o quarto. Deitei-me, me escondi embaixo das cobertas. Nesse instante lembrei que o meu quarto estava cheio de espelhos. Fiquei atormentada e sustentei o dilema entre olhar ou não, até o dia clarear.


No outro dia, juntei todos os espelhos que encontrei e joguei no lixo. Passei um dia daqueles no trabalho por não ter dormido a noite. Cheguei em casa e não pensei duas vezes, fui direto para cama. No outro dia, quando fui pentear o cabelo, notei que não tinha mais espelhos na casa, também pudera, joguei todos no lixo. Mas eu precisava de um espelho agora. Lembrei que tinha um de mão guardado na caixa de bugigangas, que estava na dispensa. Peguei a caixa, abri e procurei o espelho. Quando achei, vi que tinha algo escrito nele, como se estivesse sido riscado pelo lado de dentro. Comecei a ler e a mensagem me atormenta até hoje. Estava escrito: “Por favor, traga os espelhos de volta, nós gostamos de te ver dormir”
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--Roberta H.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Conto - Apocalipse Pessoal

Conto: Apocalipse Pessoal.
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

Apocalipse Pessoal

Durante um período de cinco anos, aproximadamente, vaguei por diversas cidades, com o único propósito de esquecer. Parti de minha cidade natal com nada mais do que uma mochila contendo algumas poucas roupas, deixando para trás apenas minha casa, já que não havia familiares e muito menos amigos. Fora abandonado por todos desde a fatídica data em que, acidentalmente, provoquei a morte da única pessoa que amei em toda a minha vida. Os amigos e familiares – meus e dela – não acreditaram que havia sido um acidente, e, ao invés do apoio que eu precisava, fui covardemente abandonado por todos. O estado em que minha mente se encontrava era tão caótico que nem quando tentei suicídio eu obtive êxito. Após este episódio, resolvi deixar a minha antiga vida para trás.


Eu estava andando por uma estrada totalmente sem movimento, quando uma tempestade começou a se armar no horizonte. As nuvens cinzentas davam um estranho tom azulado ao local, e o silêncio mórbido que me cercavam traziam uma tristeza inimaginável. Senti um forte aperto no coração, como se alguém o estivesse apertando, e lágrimas começaram a rolar por minha face. Na minha frente, pude ver a minha amada dançando, exatamente como da última vez que estivemos juntos. Seus longos cabelos negros dançavam junto com ela, em movimentos aleatórios no ar. Naquele momento, caí de joelhos no acostamento da estrada, aos prantos.

Quando voltei ao normal, com a vista ainda embaçada por causa das lágrimas, pude perceber, a alguns metros do acostamento, um imenso portal de madeira, que devia medir cerca de três metros de altura, por aproximadamente dois metros de largura. Aproximei-me daquela curiosa construção, já extremamente deteriorada pelo tempo, e percebi que, embora semi-destruída, ainda mantinha alguns de seus detalhes originais, uma série de entalhes em baixo relevo feitos na madeira, que tinham características muito peculiares. Pareciam hieróglifos – mas talvez fossem ideogramas. Ao fundo, uma longa estrada de terra estendia-se além de uma pequena colina.

Como a tempestade era iminente, resolvi seguir a estrada na esperança de encontrar alguma construção que pudesse me abrigar até a chuva passar. A estrada era longa e tortuosa. Depois de duas horas de caminhada, cheguei ao topo da colina. Fiquei ao mesmo tempo maravilhado e assustado quando vi que no pé da colina havia uma cidade inteira, com casas em uma arquitetura que eu nunca vira. Rapidamente consultei meus mapas de viagem, e fiquei surpreso quando vi que nem a cidade e nem mesmo a estrada que eu caminhara horas antes estavam no mapa; tudo o que havia era uma imensa área vazia.

Enquanto eu consultava meus mapas, pude ouvir, bem ao longe, o badalar de sinos. Aquele som me causou um terror agudo, pois badalavam de forma macabra, soando como um convite para um eterno passeio no inferno, guiado pelo próprio Lúcifer. Embora o som fosse de diversos sinos, não soavam como sinos. Guardei os mapas em minha mochila, pensando em ir embora daquele lugar, mas alguma coisa me atraía ali. Como a chuva estava começando a cair, me apressei em descer a colina. A cidade era envolta por um grande muro, e um portal semelhante ao que encontrei na beira da estrada estava localizado ao centro, permitindo o acesso para dentro da cidade.

Entrei na cidade, seguindo pela rua de pedras que estendia-se à minha frente. A rua era muito estreita, e as casas pareciam avançar sobre ela, quase a devorando; em alguns pontos, podia-se perceber que os estranhos telhados das casas encontravam-se, formando um medonho túnel. Tentei bater na porta da primeira casa da cidade, mas não obtive resposta; e assim foi com as várias casas subsequentes. Os sinos ainda tocavam sua macabra sinfonia, mas agora com um volume muito mais alto.

Segui pela rua à minha frente, sem encontrar ninguém no caminho. A cidade parecia totalmente deserta – fato que era corroborado pelo péssimo estado de conservação geral da cidade. Mas se estava deserta, quem estava tocando os sinos? Com a chuva agora caindo fortemente, resolvi seguir as badaladas, na esperança de encontrar alguém.

Por alguns minutos, caminhei por ruas que pareciam exatamente iguais, com as casas aglomeradas e quase se tocando no ar. Escolhi, quase aleatoriamente, os caminhos a seguir quando eu encontrava alguma bifurcação ou cruzamento, tentando sempre seguir o badalar infernal dos sinos. Mas, embora eu tivesse continuado andando, muitas vezes eu achava estar sempre no mesmo lugar, uma vez que as casas tinham a mesma aparência esquisita, e as ruas eram exatamente iguais.

Meu passo já estava apressado, quase correndo, quando uma sensação de claustrofobia começou a tomar conta de mim; eu queria desesperadamente sair daquele lugar. Tentei refazer o caminho de volta, mas eu parecia retornar sempre ao mesmo lugar. Quando eu parei para pegar um pouco de ar, tive a sensação de ver um vulto passando por trás de mim. Olhei para trás, mas tudo o que vi foi a mesma rua de sempre.

Olhando um pouco mais atentamente, percebi que a porta de uma das casas estava entreaberta. Cautelosamente, dirigi-me até lá, olhando ao redor para certificar-me de que ninguém estava à espreita. Chegando à porta, chamei por alguém, mas, como eu já imaginava ninguém me atendeu. Empurrei bem devagar a porta, para deparar-me com uma escuridão que eu nunca havia visto antes. Com o ritmo do coração acelerado, empurrei um pouco mais a porta e coloquei a cabeça para dentro, procurando alguma fonte de iluminação.

Eu estava com metade do meu corpo do lado de dentro da casa, quando, novamente, vi um vulto passando atrás de mim. Assustado, virei para trás para tentar descobrir quem estava tentando me pregar uma peça, mas novamente não vi ninguém. Resmungando, virei para frente para entrar na casa, mas dei um pulo quando me deparei com alguém, ou alguma coisa, a poucos centímetros de mim. Não pude conter o grito de horror quando aquela coisa – mais ou menos do meu tamanho – segurou fortemente meu braço. Senti um formigamento quando aquela mão gelada me tocou; lutei com todas as minhas forças para me soltar daquilo que apenas balbuciava alguns sons incompreensíveis.

Aqueles grunhidos, aliás, não poderiam vir de lugar nenhum, pois, quando olhei para o rosto da criatura, novamente suei e estremeci, quando percebi que não havia rosto, apenas uma cabeça, branca como o resto do corpo, mas com um horrível tom azulado. Embora não houvesse olhos, eu sentia que aquilo me olhava, e seu olhar tinha o incrível poder de me causar medo como eu nunca sentira antes. Virei as costas para a criatura e comecei uma corrida desenfreada pelo tortuoso labirinto que era aquela cidade.

Por alguns minutos não olhei para trás, mas quando o fiz, tropecei devido ao pavor que me dominou, não apenas a criatura que havia me agarrado estava me seguindo à distância, como dezenas exatamente iguais a ele, todos balbuciando o mesmo estranho som, que fazia uma harmonia perfeita com o badalar infernal dos sinos, que agora estava mais alto do que nunca. Corri como eu nunca havia corrido antes, e depois de alguns minutos, vi o que parecia ser uma saída daquele labirinto.

Cheguei a um lugar que parecia um oásis em meio àquele inferno que descansava atrás de mim. Um imenso lago, com uma imensa cadeia montanhosa ao fundo, adormecia calmamente à minha frente. Misteriosamente não chovia ali, embora o céu estivesse totalmente nublado, com o sol fazendo um esforço imenso para sair, mas impedido pela densa massa de nuvens. Senti aqui o mesmo tom azulado que eu sentira na estrada, o que me causou certo enjoo ao relembrar a cena que eu vira naquela ocasião.

Cheguei a esquecer por completo das coisas que me seguiam quando vi um pouco à minha frente um banco de madeira, onde uma mulher permanecia calmamente sentada, aparentemente apreciando a estranha visão que nos era oferecida. Aproximei-me devagar e sentei ao seu lado. Antes que eu pudesse vê-la ou falar alguma coisa, a mulher virou-se para mim, e nesse momento, meus olhos encheram-se de lágrimas novamente, um frio congelante percorreu minha espinha quando minha amada olhou em meus olhos e me perguntou:

– Por quê? – Eu estava em prantos quando perguntei o que ela fazia ali. – Estou fazendo a mesma coisa que faço desde o dia que você me matou, estou aqui, sentada, aguardando.

– Aguardando o quê? – Perguntei.

– Você. – Ela respondeu, com o sorriso mais lindo que eu já vira até então.

– E estas criaturas, o que são? – perguntei, olhando para trás e descobrindo que as coisas haviam sumido.

– Estão aqui para ter certeza de que não iremos embora. Devemos ficar aqui, até que chegue a nossa hora de partir.

Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, ela segurou minha mão e fez sinal para que eu ficasse calado. Embora confuso, eu estava extremamente feliz por poder vê-la novamente, embora eu não tivesse certeza se ela estava morta ou viva. Na verdade, isso não fazia muita diferença, a sensação de estar ao lado dela, mesmo que calados e sem poder tocá-la era indescritível. Ficamos por muitas horas sentados naquele banco, ouvindo o badalar incessante dos sinos e apreciando aquela paisagem sinistra, mas cativante.

Anoiteceu, e o céu começou a adquirir uma coloração estranha, vermelha, lilás, ou algo parecido com isso. O lago à nossa frente começou a se agitar, quando o fogo começou a brotar de sua superfície; em alguns pontos, via-se que o fogo crescia criando uma chama que ia direto ao céu sangrento, criando um espetáculo funesto. Quando virei o rosto para perguntar o que acontecia, vi minha amada me olhando de forma estranha, eu podia ver a fúria em seus olhos, e seu corpo estava em avançado estágio de decomposição.


O sangue escorria de sua boca e a faca que eu acidentalmente cravara em seu coração ainda estava ali. Ela gritava, chorava, e me segurava com uma força incrível; eu não podia me soltar. Eu já estava no chão quando vi as criaturas vindo para cima de mim e, embora sem rosto, começaram a devorar, lentamente, cada pedaço de meu corpo, assim como minha amada. Os sinos agora badalavam de forma histérica, e mais e mais chamas saíam do lago em direção ao céu.

Eu já sentia o sangue escorrendo de minha boca e a dor de ser comido vivo era dilacerante. Alguns de meus dedos eram delicadamente saboreados, enquanto outros eram arrancados de forma violenta. Não consigo, em palavras, descrever toda a dor que senti. De repente, tudo ficou escuro. Quando acordei, o lago estava absolutamente normal, assim como o céu, embora ainda tivessem o tom azulado de outrora. No banco ao meu lado, minha amada continuava sentada, mas seu corpo estava em perfeito estado e ela tinha um pequeno sorriso de felicidade.

Uma dor aguda tomou conta de mim quando tentei me levantar, e então percebi que o estrago feito na noite anterior ainda estava em mim. Alguns dedos faltando, sangue por todo o lado e uma dor horrível vinha de dentro de mim. Com um esforço imenso, levantei-me e sentei-me no banco, ao lado dela. Por maior que fosse a dor, a sensação de estar ao lado dela era maior do que tudo. Mas, assim que me sentei, ela levantou-se e foi embora, sem dizer uma palavra. Permaneci sentado, chorando, pois eu sabia, naquele momento, que a hora dela ir embora havia chegado, e que, toda a noite, eu teria que viver o castigo de ser devorado por criaturas sem face.

Aquele era o meu inferno pessoal, era o meu castigo por ter matado a mulher que mais amei. E o que mais doía não eram as mordidas ou a sensação de ter meus órgãos arrancados, mas era a visão dela indo embora. Então eu sentei no banco, e contemplei as montanhas, pois eu sabia que por mais que eu corresse, eu jamais conseguiria sair daquela cidade. E fiquei ali sentado, aguardando o meu apocalipse pessoal chegar junto com a noite, trazido pelas criaturas sem face.



--Roberta H.

Conto - Noite de Tempestade

Conto: Noite de Tempestade.
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

Noite de Tempestade

Era uma noite chuvosa quando um pai e sua filha voltavam do hospital onde ficaram o dia inteira na espera que a esposa e mãe estava internada. Uma grave doença desconhecida consumia sua vida e os médicos não sabiam o que fazer.

Como o hospital era longe, eles tinham que cruzar uma longa estrada escura que cortava um grande bosque. O som da chuva batendo no teto do carro, fazia um barulho relaxante e a garota começou a cochilar.

Repentinamente um grande estrondo fez-se ouvir. O trovão veio forte e um relâmpago iluminou a noite. O pai segurou firme o volante e o carro derrapou na estrada molhando até bater em um barranco.

Após verificar se sua filha não estava machucada o homem decidiu sair do carro para ver os estragos que o veículo havia sofrido. Os dois pneus dianteiros estavam furados e uma das rodas amassada.

- Parece que passamos por cima de algo grande na estada. – disse o homem.

A filha, debruçada na janela, perguntou receosa:

- Mas você pode consertar pai?

- Não. – disse o homem balançando a cabeça. – Eu só tenho um estepe e vou ter que voltar a pé até a cidade para encontrar alguém que possa nos rebocar, não é longe daqui. Você pode esperar no carro até eu voltar.

- Tudo bem. – disse ela. – Mas não demore muito tempo.

O pai percebeu o medo nos olhos de sua filha e afirmou que iria o mais rápido possível. A filha olhou pelo vidro de trás até ver o pai desaparecer, andando pela estrada no meio da noite.

Havia passado mais de uma hora e o homem ainda não tinha retornado. A garota começou a ficar preocupada, qual seria o motivo de tanta demora? Será que seu pai não havia encontrando nenhum reboque? O medo de ficar naquela estrada escura aumentava cada vez mais até que ela viu um vulto ao longe, vindo pela estrada.

Inicialmente ela ficou alegre, pois pensou que fosse seu pai, porém a alegria inicial foi virando medo quando ela pode perceber que era um homem estranho que vinha andando pela estrada. Agora, mais perto e iluminado pelos eventuais relâmpagos podia ver que se tratava de um homem alto, vestindo macacão e com uma barba em torno do rosto. Notou que algo grande estava sendo carregado em sua mão esquerda.

A garota começou a ficar nervosa e rapidamente trancou todas as portas do carro, após fazer isto e se sentir mais segura olhou para fora: o homem havia parado e olhava fixamente para ela a uma distância alguns metros.

De repente ele levantou o braço e a menina soltou um grito horripilante. Seu corpo todo tremia, as lágrimas invadiram seus olhos e apavorada viu que na mão esquerda o homem segurava a cabeça decepada de seu pai.

Seu coração batia aceleradamente e ela gritava sem parar. A expressão grotesca deu seu pai era horrível. A boca estava entreaberta com a língua de fora e os olhos estavam todos brancos.

Do lado de fora, colado em sua janela o homem olhava com raiva para ela. Seus olhos estavam injetados de sangue e seu rosto era coberto de cicatrizes. Por um breve momento ele ficou sorrindo para ela como se fosse um louco, então lentamente ele colocou a mão no bolso e tirou algo e agitou para que ela visse.

Na sua mão estavam as chaves do carro de seu pai...



--Roberta H.

Conto - A Outra Face

Conto: A Outra Face.
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com


A Outra Face

Após uma noite de sonhos perturbadores e incessantes, Samuel Orpec acorda sentido-se estranho, parecia sentir-se mais aliviado após alguns sonhos terríveis terem acabo, mas sentia algo estranho em si mesmo. Fitou-se no espelho, tocou seu rosto, quando então, ouviu o primeiro sussurro de seu próprio fim. Era apenas um resmungo ininteligível, mas podia se sentir a dor nele. Não sabia de onde vinha, mas parecia que vinha da parte de trás da sua própria cabeça. Passou a mão sob sua nuca, e foi subindo em direção ao cocuruto, quando fora interrompido por uma mordida em sua mão. Congelou, o pânico que isto lhe trouxera era imensurável até então, respirou fundo e saiu em busca de algum outro espelho, parou em frente ao espelho em seu vestíbulo e posicionou um pequeno espelho de mão atrás de sua cabeça, de tal modo que pudesse vê-la. O terror voltara a tomar sua mente. Percebera que havia outra face em seu crânio. Não uma face comum, mas uma face disforme, demoníaca, onde a maldade era visível, e ela ria. Percebeu que a face tinha consciência própria, percebeu que a face era má, percebeu que naquele dia sua agonia iria ruir sua sanidade. O sadismo da face o fez, nos primeiros instantes, pensar em suicídio, ideia essa que fora abandona após alguns minutos, quando Orpec percebera que isso só traria mais prazer à face, e ele não pretendia se render a ela tão facilmente. Sentou-se em sua cama, e bateu com a parte de trás de sua cabeça na parede, somente para causar dor à face. Cometera um terrível engano, a dor que sentira fora imensa, e só aumentou o prazer da face, que agora gargalhava ante a dor de Orpec. Tomado por uma fúria intensa, Orpec busca seu canivete no bolso de seu paletó e cega um dos olhos da face. Cai no chão, sentindo talvez a maior dor que humano algum possa ter sentido um dia, desmaia.


Já era noite quando Orpec acordou, via seu quarto de modo disforme. Já não tinha mais noção de quem era, a face às vezes tomava poder de seu corpo, e fazia com que Orpec se feri-se só para ter algum prazer. Quando tinha controle sobre seu corpo, Orpec tentava esquecer que a face lá existia, mesmo que ela o impedisse de sair de seu apartamento. Fazia três dias que ela aparecera e Orpec ainda não havia aberto cortina alguma de seu apartamento. Rumou à cozinha e serviu-se com uma aguardente que guardava, tomou um trago e abriu a cortina. Então percebeu que a face detestava a luz, a escuridão a deixava mais forte. Virou-se de costas à janela, e deixou que a luz cega-se, outra vez, a face. A cicatriz no olho esquerdo da face começa a sangrar, e ela, pela primeira vez sente dor. Um urro desumano é ouvido. Orpec ri. Então, também pela primeira vez, a face fala:


- Ah, então tu ris de minha desgraça, tu assumes ser tão mal quanto eu, pobre humano, assumes que não sabes lidar com minha presença, fraqueja ante ela, tem em teus sonhos, os mesmos sonhos que eu.

- Orpec manda que a face se cale, e ela então outra vez gargalha, e parece dormir. Orpec senta em uma cadeira contra a janela, e encara o sol, e então descobre que já não é capaz de ver a luz, sem que a face o permita. Já não é capaz de sentir o prazer, a dor, já não é capaz de sentir, sem que a face também sinta, já não é capaz de viver, sem que a face também viva. E sente, pela terceira vez, todo o horror que ela lhe traz. É tomado por um vazio intenso, que parece ruir sua espinha, parece lhe dissolver a mente, e sabia que sua'lma já havia fugido de seu corpo.


Passam mais quatro dias, e então a face acorda outra vez, dessa vez ela já acorda sorrindo, e sussurra para Orpec:


- Bom dia, espero que consigas continuar... - E é interrompida sendo golpeada contra a parede outra vez, e outra vez gargalha ao sentir a dor de Orpec. E ele então cai sob o chão, de joelhos, e urra, urra injurias tão nefastas que humano algum um dia dissera, amaldiçoa a face que o amaldiçoava, e então busca a garrafa de aguardente, ainda sobre a mesa, e inebria-se ante a loucura que a face o trazia, mas parecia que quanto mais ele bebia, mais lúcido ficava, e mais a face o destruía. Buscou o espelho de mão, fitou-se outra vez, e encarou a face, que de antes desumana, agora era quase idêntica a face de Orpec, que ficava cada vez mais disforme. Ela ria, e ria cada vez mais alto, Orpec tampava seus ouvidos, caia ao chão, e ela cada vez mais contente parecia ficar, então ela para, e sussurra outra vez:


- Temes que eu nunca pare de rir, mas sabes que no fundo, o prazer que eu sinto é o mesmo que tu sentes, tu és eu, eu sou tu, somos a mesma pessoa, a mesma aberração, o mesmo câncer da raça humana, somos nada além de um moribundo sem esperança, um indigente cavando sua própria cova, tu já te embalsas mesmo antes de morrer.


- Cala-te demônio, tu és minha assombração, e se tiver eu que viver com tua presença, prefiro que me mates. –A face ri outra vez, e outra vez ela dorme.


Meses se passam, e a face cada dia mais se torna humana, e Orpec cada vez mais se deforma. Não sabe mais quem é quem, já não consegue dissociar-se da face, já não sabe mais quem é, e ainda não sabe de onde a face veio, mas sabe que o mal que ela carrega é desumano. Ainda mais que as noites, a face exalava um forte cheiro de enxofre, e sussurrava injurias para Orpec, só para atormentar seu sono. Quanto mais Orpec definhava, mais a face parecia ficar mais forte, parecia que ela já estava criando braços nas costas de Orpec, parecia que ela qualquer dia sairia dele e o deixaria em seu quarto, deixaria apenas uma massa disforme em qual o transformaria, e sairia livre pelo mundo espalhando maldades. O tempo acabou atenuando o efeito das injurias sobre Orpec, e no fundo, a face acabou por corrompe-lo, era já tão mal quão ela, já não era mais puro, já não sabia se ainda era vivo sem ela, já não sabia se afinal, ele não era ela.


Em uma noite de inverno, Orpec então resolve sair, ignorando todo e qualquer incomodo que a face poderia lhe causar, vestiu um casaco, ergueu o colarinho, tentou plasticamente tampar a face com um cachecol, vestiu um chapéu, e saiu. Caminhou sem rumo por quase duas horas, e entrou em uma Igreja na praça central da cidade, ao dar os primeiros passos na igreja a face começou a blasfemar, e o sacerdote encarou austeramente Orpec. Porém, o sacerdote então percebeu a natureza da situação, e fez um sinal para que Orpec o seguisse. Entraram em uma pequena porta a esquerda da sacristia, onde havia uma escada circular para baixo, e parecia que era tão funda que chegaria ao centro da terra. Após chegar a base da escada, Orpec presenciou um corredor com sete portas, três à direita, três à esquerda, e uma pequena porta de ferro no final do corredor. Seguiram reto até tal porta, e o sacerdote buscou em sua batina um molho de chaves, e entre elas buscou uma chave que aparentava ser feita de ouro, e com esta chave então, abriu a porta, e Orpec se deparou com, talvez, a única coisa que naquele momento poderia o surpreender. Orpec encarou a si mesmo, sentado em uma cadeira no meio de um quarto vazio. Ainda era o mesmo de sempre, ainda sem a face, ainda humano. Estava acorrentado, e havia uma poça de sangue embaixo da cadeira, já um pouco seca. Conseguia ver as chagas em seu corpo, mas não via mais seu corpo de onde estava. Percebeu ser uma consciência sem corpo, percebeu então não ser mais quem era. Já não sabia mais se era só, ou se a face era parte de si mesmo. Seguiu até seu corpo, o rodeou, e percebeu uma enorme cicatriz em suas costas. Percebeu que havia sido liberto da face, percebeu que era apenas um só outra vez. Percebeu também, que estava lá sentado, consciente, e que não estava dentro de si, percebeu que havia sido expulso de seu corpo, e que a face havia tomado posse dele. Em um impulso, tocou a cicatriz e se associou ao corpo outra vez, em certo estado de transe, quebrou as correntes e levantou-se. Rumou em direção a porta e ajoelhou-se sob ela, sentiu a dor mais forte que já sentira um dia, e caiu deitado no chão, inconsciente.



Acordou em seu quarto, ainda com a face, mas sentia-se vazio, sem a maldade da face, aliás sentia que a face era pura, inocente. Tão inocente que lhe enojava, como uma aberração tão cruel agora podia se tornar tão pura, tentou soca-la de raiva, mas não controlava seus braços, tento levantar-se, mas não tinha mais controle de seu corpo. Começou então a tentar ofende-la, mas nada saia de sua boca, além de resmungos ininteligíveis, não sentia nada além de ódio pela maldita face que surgira, a maldita face que havia o condenado a viver sem controle de si mesmo, sua sanidade havia desaparecido, já não sabia quem era, até que sentiu uma mão passando sobre seu rosto, tomado pela raiva, mordeu-a com toda a força. Sentira então a maior dor que um dia sentira, e já sem sanidade alguma, começou a rir dela, e quanto mais se contorcia de dor no chão, mais prazer sentia.



--Roberta H.

Dê-me a sua mão

Uma menina decidiu dormir na casa de sua amiga após a escola. Elas se divertiram bastante, jogando, dando risadas e até que decidiram se entreter contando histórias de terror. Uma assustou tanto a outra que as duas decidiram parar, pois estavam bastante aterrorizadas. 



As meninas foram dormir no mesmo quarto, mas em camas separadas, pois um dos móveis estava livre devido à morte da irmã de uma delas ocorrida em um acidente fazia alguns meses. Elas se encolhiam nas camas, apavoradas pelas histórias que haviam contado e uma tempestade piorou tudo. Trovões fazem barulhos assustadores, os relâmpagos iluminavam o quarto fazendo sombras grotescas. Elas tremiam até que uma delas falou:


- Por favor, dê-me sua mão, eu estou morrendo de medo...

Ambas esticaram os braços para se sentirem mais confortadas e protegidas. De mãos dadas o medo pareceu desaparecer e elas acabaram caindo no sono. Na manhã seguinte elas acordaram normalmente, o tempo estava melhor e um bonito sol havia nascido. Antes de ir para a rua brincar, as garotas tomavam café da manhã e lembravam-se do pavor que sentiram na noite anterior.

- Que bom que você me deu sua mão na noite passada, eu estava morrendo de medo. – disse uma delas.

- Obrigada você também. Eu estava tão assustada quanto você. – respondeu a outra.

A mãe que partilhava a mesa ouviu a conversa e perguntou se elas haviam mudado as camas de lugar, pois como eram muito distantes seria impossível elas conseguirem apertar as mãos enquanto estavam deitadas. As duas amigas ficaram confusas e foram até o quarto. Ambas sentiram um calafrio na espinha quando verificaram que por mais que esticassem seus braços não conseguiriam tocar suas mãos...

Ao que parece naquela noite de tempestade, não eram somente os vivos que estavam com medo...



--Roberta H.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Conto - Os Quatro

Conto: Os Quatro.
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com

Os Quatro

A noite chuvosa era a única coisa que se via pela pequena e suja janela da sala. Eu estava sentado no sofá, como de costume, apenas observando a chuva cair. Talvez esse fosse um dos meus passatempos favoritos, ou quem sabe o único. Já era tarde da noite, uma ou duas da madrugada, não sei ao certo, e mesmo assim o sono ainda não veio ao meu encontro. Quem sabe se eu tomar uma xícara de chá poderei enfim dormir?

Levantei e fui até a cozinha, que assim como a janela da sala, também se encontrava suja. Mas a sujeira não me incomodava, afinal, depois de viver tanto tempo nesta casa ela acabou virando a única amiga que tenho.

Preparei o chá e logo fui para o quarto tentar dormir. Deitei-me e me perdi em meus pensamentos e loucuras, e nem percebi que o dia havia chegado. Foi tão rápido que penso em nem ter dormido. Fui para a sala e me deparei com uma cena estranha: Do outro lado da janela o céu se encontrava negro. “Como isso é possível? Já é dia”. Aproximei-me, curioso. Queria saber se aquilo era mesmo real. Quando a minha respiração embaçou a janela, um vulto preto em forma humana atravessou a mesma, quebrando-a.

Por puro reflexo me afastei, mas o ser me agarrou pelos braços e começou a me puxar para dentro daquele ambiente obscuro do qual ele tinha saído. Aflito, comecei a gritar para que ele me largasse, porém parecia tudo em vão. Parecia que minhas forças tinham ido embora. A cada segundo eu me aproximava mais daquela escuridão. Minhas forças tinham mesmo me deixado, e agora minha visão escurecia. Teria a morte me encontrado nesse fim de mundo?

Acordei assustado, suando frio. “Fora tudo um sonho?”. Olhei para fora, tudo aparentava estar normal. Ainda pensando no sonho que acabara de ter, sai da cama e resolvi ir para sala, onde o terror daquele pesadelo rondava incessantemente. Andei lentamente pelo corredor que ligava os dois cômodos, sentia um arrepio inexplicável na espinha. “Por quê?". A primeira coisa que vi foi o pequeno e judiado sofá no seu canto. De certa forma me senti aliviado ao ver aquilo, mas no momento que adentrei por completo na sala, a janela onde tudo acontecera estava de fato quebrada, do mesmo jeito em que fora quebrada em meu sonho.

Ignorei as chances de que tudo isso poderia ser verdade, afinal, nunca acreditei que um sonho poderia se tornar realidade. Na certa deveria ser algum engraçadinho que queria chamar a atenção. Limpei toda a bagunça, mas como consertaria a janela? Há tempos não saía de casa, me afastei da cidade porque muitos me achavam louco e não queriam que eu vivesse mais por lá. Não entendo por que, nunca fiz nada de mais para as pessoas daquela vila.

Deixei o estrago do jeito que estava. Coloquei apenas uma tábua de madeira e uns pedaços de papelão para não deixar um buraco em vão na parede da sala. Logo voltei para a minha rotina, esquecendo quase por completo o estranho sonho que tive.

A noite chegara rápido dessa vez, mas o sono nunca conseguia acompanhá-la. Hoje o tempo encontrava-se agradável. Nada de chuva ou nuvens. A lua iluminava boa parte dos cômodos da casa. Sentia-me confortável à sua luz, ela parecia me abrigar das más coisas desse mundo. Eu estava totalmente perdido no brilho daquele luar, mas não pude deixar de notar ao canto do olho que um vulto passara quase que despercebido pela cozinha. Mais curioso do que assustado, levantei do sofá e fui ver o que tinha sido aquilo. Teria alguém entrado em minha casa?

Procurei por algo com que pudesse me proteger, acabei achando só um velho guarda-chuva, mas serviria para o caso. Andei em passos lentos até a cozinha e nada achei por lá. Decidi então vasculhar a casa toda, passando primeiro pelo quarto e por último pelo banheiro.

Após essa louca perseguição, tudo parecia estar normal. “Talvez seja só a minha imaginação." Virei para a porta do banheiro para sair de lá, e no momento que passei os olhos pelo sujo espelho sobre a pia, vi que meu reflexo havia mudado, apenas por um segundo, mas pude notar todos os detalhes. Minha expressão era séria, não possuía vida em minha face. “Terei ficado dessa forma?”. Corri para o quarto para me olhar no outro espelho. Estava tudo normal. Minha expressão havia voltado. “Apenas minha imaginação".

Não é possível, eu não estou ficando louco. É só o cansaço. Mas por quê? Talvez fosse melhor eu dormir. Acordei em um lugar escuro. Só conseguia ver o vasto tom negro que ocupava aquele lugar. “Como vim parar aqui?”. Até minha cama havia desaparecido ou sido tomada pela escuridão. Tentei achar alguma parede ou qualquer coisa na escuridão, mas eu sentia que aquele lugar não tinha fim. Andei em frente, quem sabe chegaria a um grande precipício? Andei e andei, até que ao fundo uma figura branca começou a se formar. Um arrepio subiu pelo meu corpo. Estava paralisado. Mais e mais figuras apareciam e vinham em minha direção. Eu queria correr, mas parecia que algo segurava minhas pernas. Eu me sufocava em meus próprios gritos, quando as formas chegaram e pude ver claramente o que eram.

Abri meus olhos e levantei da cama como se tivessem me jogado. “Outro sonho?”. Sentei no canto da cama, ofegante. Notei que algo em minha casa estava errado. Todas as luzes estavam acessas. Mas me lembro de ter apagado antes de dormir. Levantei para apagar todas, novamente. Cheguei à sala e vi que ainda era de madrugada. Uma madrugada chuvosa. “Porque sentia arrepios?”. Ignorei esse fato e fui apagar a luz, mas antes que eu pudesse tocar no interruptor, todas as luzes apagaram sozinhas.

Um medo fulminante tomou conta de mim, pra piorar, a chuva começara a ficar mais forte, com raios e trovões acompanhando. Comecei a escutar risadas e conversas. Não conseguia entender o que queriam dizer. Corri para a cozinha, mas algo me puxou para trás com brutalidade. Lembro-me de ter batido a cabeça em alguma coisa.

Ainda desnorteado, tentei deixar de lado a tontura e a dor, então percebi que em uma das mãos eu segurava uma faca ensanguentada. “Como? De onde veio esse sangue?”. Procurei por algum ferimento em meu corpo, mas não achei nada. Apenas minhas mãos estavam cobertas de sangue. Aquele sentimento de medo ainda não havia me deixado. Corri para o banheiro para lavar todo o sangue.

Sem luz e com toda aquela chuva, não conseguia enxergar direito por aonde ia. Por sorte achei em uma gaveta uma lanterna e a usei para achar o caminho. Entrei rapidamente no banheiro e lavei minhas mãos e meu rosto. “O que está acontecendo?”. Voltei minha atenção para o mesmo espelho em que vi meu outro reflexo e vi que agora não só eu, mas outros quatro rostos estavam sendo refletidos. Com a luz da lanterna iluminando o fundo do banheiro, os quatro rostos estavam visíveis e um deles possuía um corte recente no lado direito deu seu rosto. Eram os mesmos do meu último sonho. Todos tinham uma expressão morta, cada um de um jeito macabro e sombrio, mas todos tinham algo em comum.

- Quem são vocês? – Perguntei

E como se tivessem ensaiado a fala, todos falaram ao mesmo tempo:

- Nós somos você.



--Roberta H.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Terror em fotos #9

--Se você possui problemas cardíacos, a leitura deste conteúdo pode não ser recomendada.

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Terror em fotos #9
















--Roberta H.

Conto - Espírito do Orfanato

Conto: Espírito do Orfanato
Autor(a:): Desconhecido.
 Você também pode mandar seu conto para o e-mail: sr.fofo@hotmail.com
  
  Olá, pessoas. Bom, estou tentando postar o máximo que posso, mas não tenho muito tempo. Pelo mesmo motivo, faz um certo tempo que não escrevo contos. Mesmo assim, continuo tentando manter o blog sempre atualizado. Obrigada pelas visitas. Ficaria muito grata se me ajudassem a divulgar. Deixem suas opiniões nos comentários, não custa nadaObrigada.

Espírito do Orfanato

Em um antigo internato para meninas, de tempos em tempos histórias “vividas” por internas mais antigas vinham à tona. A maior parte delas era apenas invenção. Mas esta que vou relatar é a única história verídica de todas que escutei. Devia ter 14 anos na época. Estávamos na sala de aula, no intervalo, em um dia que parecia apenas mais um qualquer. Foi quando Amanda, uma das alunas que estavam para sair do internato, por já estar fazendo 18 anos, chamou todas para um canto da sala, dizendo que tinha uma história para contar. Percebendo do que se tratava, todas foram ao seu encontro.

Eu permaneci sentada em meu lugar, pois já estava cansada de ouvir tanta baboseira. Percebendo que eu era a única que não fui ouvir sua história, Amanda veio para perto de mim, seguida de todas as outras meninas.

- Ué Aline, não quer ouvir o que tenho para contar? – perguntou ela.

- Desculpe, mas não, obrigada. Já estou cansada dessas histórias sem cabimento.

- Sem cabimento? Dessa vez, a história é verdadeira.

- Como todas as outras que também eram... – repliquei.

- Duvida? Então escute e tire suas próprias conclusões, pois o corpo ainda está aqui.

- Corpo? – as meninas perguntaram em coro.

Ignorando o coro atrás dela e focando seus olhos verdes em mim, ela começou:

 - Essa história aconteceu há alguns anos. Foi no tempo em que eu entrei aqui. Uma menina, Alice, desrespeitava e às vezes batia nas senhoras que cuidam do internato. Ela pensava que tudo o que fazia passaria impune. Mas não passou. Certo dia, a diretora se cansou das atitudes dela. Ela pegou a menina, que estava na sala de aula, e a trancou no banheiro da mesma, dizendo que só sairia dali quando aprendesse a lição. Ela gritou incessantemente pedindo ajuda, mas a diretora impediu todas que tentaram ajudá-la. Eu mesma tentei, mas ela disse que esse era o castigo que ela merecia por maltratar as pessoas que “cuidavam” dela. Todas nós ficamos na porta do banheiro esperando a diretora soltá-la. Mas ela não o fazia. A noite chegou, e todas foram obrigadas a voltar para os dormitórios. Durante a noite, ouvi um barulho que parecia um trovão ecoar pelos corredores do internato. Como não havia sinal de chuva vindo, levantei e procurei de onde havia saído tal barulho. Enquanto andava pelos corredores escuros, o barulho ecoou novamente, vindo da nossa sala de aula. Devagar, fui até lá e vi a porta do banheiro aberta, e ninguém a cuidá-la. Talvez Alice tivesse escapado, ou então...

“Cautelosamente, entrei no banheiro. Mas não vi ninguém ali, nem mesmo Alice. Quando estava para sair do banheiro, algo começou a escorrer da porta da última cabine. Mais apavorada do que nunca, andei até lá. Mas foi aí que vi algo que nunca queria ter visto. Alice, sentada no vaso do banheiro, com um buraco na cabeça e outro no peito. Alguém havia entrado ali e atirado nela, intencionalmente.”

“Apavorada, saí do banheiro, contendo um grito de desespero. Quando corri em direção aos quartos, vi a diretora saindo depressa do banheiro dos professores, carregando um objeto estranho, prateado. Tentando controlar meu nervosismo, segui-a, até sua sala. Ela deixara a porta entreaberta, então pude observá-la guardar o objeto que, sob a luz da lareira, pude distinguir o que era: uma arma.”

“Atordoada, voltei ao meu quarto, sem sabe o que fazer. Entregar a diretora a policia? Impossível, pois ela iria me pegar antes que eu o fizesse. Contar a alguém? Mas quem, se todas eram leais a ela? Sem resposta, resolvi tentar dormir novamente. Algumas horas depois, fui acordada por gritos incessantes. Levantei-me e fui ao único lugar de onde poderiam vir tais gritos: o banheiro de nossa sala de aula. Lá estavam várias colegas chorando pelo que viram, e a diretora, dizendo que não sabia como tamanha barbárie fora cometida. Ela mandou que todas voltassem aos seus quartos enquanto tirava o corpo de Alice dali, mas não foi o que ela fez. Eu me escondi, a fim de saber o que ela faria. A diretora simplesmente trancou o banheiro e pediu para que uma das empregadas cobrisse a porta com tábuas e o mesmo papel de parede do resto da sala, para que ele ficasse exatamente como todo o resto da parede”.

Ela parou de me encarar e foi a um canto da sala, onde rasgou o papel de parede com um pequeno canivete.

- E aqui é onde seu corpo está preso no que um dia foi um banheiro. Pela morte que sofreu, seu espírito ainda deve estar aqui, sedento por vingança a todo e qualquer um que ousar libertá-lo.

A sala ficou muda. Todas se entreolhavam, mas ninguém soltava um suspiro sequer. Então, Amanda voltou-se novamente para mim e perguntou:

- Então Aline, minha história não é verdadeira?

Não respondi. Levantei-me e fui até onde estava. Parei em frente à porta e analisei-a. Como todo o resto da fundação do internato, as tábuas que escondiam a porta estavam podres, e apenas um chute era mais do que suficiente para quebrá-las.

- Então façamos o seguinte, Amanda: e se eu entrar nesse banheiro e provar a todas que sua “história verídica” é mais falsa do que nota de três dólares?

- Sinceramente, eu não quero que você faça isso. Já basta o terror que eu senti em olhar para ela daquele jeito. E, além disso, você pode soltar um espírito que pode tentar matar a todas nós.

- Ah, por favor, vai dizer agora que está com medo?

- Estou. E se você sabe o que é melhor para você, não faria isso.

Soltei um olhar de reprovação para Amanda. Afinal, do que poderia estar com medo, já que esse deveria ser apenas mais uma de suas balelas. Mas todas as outras meninas pareciam acreditar nela, mostrando-se apavoradas.

Cansada daquele clima, chutei as tábuas com toda minha força. Pensei que quebraria apenas elas, mas não pensei que a porta estivesse pior do que as tábuas, pois ela se quebrou junto. O odor que saiu de lá era horrível, insuportável. Mas já que havia ido até esse ponto, não voltaria atrás.

Tapando minhas narinas com a manga do uniforme, entrei no buraco. Sem iluminação, totalmente imundo e ameaçando desabar, aquilo era apenas a lembrança do que um dia foi um banheiro. A janela foi coberta com cimento, para isolar o banheiro e torná-lo desconhecido das novas internas.

Guiando-me apenas pela luz que entrava pelo buraco pelo qual entrei, procurei pouco a pouco o banheiro onde supostamente estava Alice. Quanto mais me aproximava da última cabine, mais forte o odor ficava. Quando parei em frente à cabine, não havia nada. Ela estava vazia. Enquanto estava voltando-me para a saída para comprovar o que havia dito, todas as luzes do banheiro se acenderam. Como eu havia me acostumado ao escuro dali, as luzes fizeram ardes aos meus olhos, me deixando cega por alguns instantes.

Quando voltei a enxergar novamente foi que aconteceu. Senti uma presença estranha atrás de mim. A parede do banheiro estava negra, e alguma coisa estava escorrendo da cabine onde Alice deveria estar. Indecisa e um pouco assustada, voltei-me à cabine, agora fechada. Abri-a, e tive a visão mais aterradora da minha vida. Depois de vários anos, o corpo de Alice parecia intacto, inclusive com as perfurações feitas pelas balas.
Contendo-me para não gritar e mostrar às outras que Amanda estava certa, fechei novamente a cabine, mas ela abriu-se abruptamente, ou melhor, alguém a abriu. O corpo de Alice começou a se mover lentamente em minha direção, mas corri em direção à saída. Infelizmente, ela não estava mais lá. Era como se eu tivesse voltado no tempo, e o banheiro estivesse exatamente do mesmo jeito que estava naquele dia.

Comecei a bater na porta e gritar por ajuda, mas ninguém respondia. Enquanto isso, Alice continuava a vir em minha direção. Desesperada, pensei em lutar contra ela, mas isso era impossível, pois ela era uma morta-viva e eu apenas uma menina. Quando me preparei para o final doloroso, ela simplesmente sussurrou em meu ouvido: “Obrigado...”.

Minhas lembranças daqueles momentos ali dentro começaram a voltar rápido demais, tornando-as impossíveis de controlar, fazendo-me desmaiar. Acordei algum tempo depois dentro da sala de aula, mas com uma pequena surpresa: dois corpos estavam pendurados por cordas no teto da sala: eram Amanda e a diretora. Para completar, havia um aviso no quadro, escrito em sangue: este é apenas o começo.

Apavorada, corri para fora do internato, na direção da cidade. Não queria voltar mais para lá. Depois de horas correndo solitária numa estrada deserta, avistei alguém vindo. Por causa do cansaço ocasionado por tantas horas de corrida incessante, desmaiei antes de reconhecer a pessoa.

Algumas horas depois, acordei em uma bela cama, num lugar que parecia mais um hotel de luxo.

- Então acordou, minha neta? – ele perguntou.

Não consegui esconder a felicidade em reconhecer a voz dele. Era meu avô, que viera me fazer uma visita no internato. Curioso, ele me perguntou por que eu estava correndo para a cidade. Contei-lhe toda a história, e ele pareceu acreditar em mim. Ele disse que estava indo ao internato me levar para morar com ele, pois não acreditava que meus pais tivessem me colocado num lugar daqueles. Ele também disse que não sabia onde eu estava por isso nunca veio me ver. Na verdade, ele disse que se soubesse que eu estava lá desde o começo, já teria ido me buscar a muito tempo.

Alguns dias depois de fugir do internato, li uma notícia perturbadora no jornal: “MASSACRE EM INTERNATO”. A polícia dizia desconhecer quem e como alguém poderia ter matado mais de 40 pessoas enforcadas no mesmo dia, mas eu sabia quem era: Alice. Ela finalmente pôde se vingar.


Já faz quatro anos. Eu e meu avô saímos daquela cidade, e nos mudamos para o mais longe possível. Porém, desde aquele dia, algo está a me acompanhar. E, neste exato momento, ela pode estar aqui, ou com quem está a ler este relato...



--Roberta H.